22 anos de Antena 3 ajudaram ao apogeu dos festivais. Entrevista: Nuno Reis (diretor)

Nuno Reis

Celebrou-se, em abril, os 22 anos da rádio Antena 3, uma rádio que nasceu com o propósito de se aproximar de uma audiência jovem e que conseguiu, sob a bandeira do serviço público, chegar onde outras rádios não pretendiam (nem pretendem) estar. O que mudou em mais de duas décadas e o que se avizinha para o seu futuro, não se esquecendo da sua intervenção dedicada aos festivais de música portugueses, são alguns dos pontos de discussão. Nuno Reis, o atual diretor, é a pessoa exata para as respostas. Uma entrevista APOFEST:
APOFEST: Recentemente, a Antena 3, tinha lançado a sua nova imagem e grelha de programação. Estão mais próximos dos ouvintes?
Nuno Reis: Naturalmente essa é a nossa ambição, apesar de sabermos que não estamos a construir uma rádio para subir vertiginosamente nos números das audiências. Como rádio comprometida com o serviço público, queremos ser uma alternativa à oferta das rádios privadas nacionais, cumprindo o papel fundamental de apoio à nova música portuguesa e ao talento nacional, sempre em cima das melhores novidades que nos chegam lá de fora. Nesse sentido, com a nova grelha que entrou em vigor em Outubro do ano passado, quisemos acentuar ainda mais a nossa ligação à comunidade musical nacional, abrindo as portas do nosso estúdio aos artistas portugueses para que façam rádio connosco – e a experiência tem corrido muito bem, com residências de nomes como Legendary Tiger Man, Zé Pedro, Moullinex ou o Samuel Úria. Por outro lado, para além de uma reformulação da nossa playlist semanal, quisemos acentuar o lado autoral da rádio, recuperando alguns nomes que para nós têm que estar em contacto com públicos mais alargados com quem podem partilhar o seu conhecimento musical… e a sua gigantesca discoteca. Falo de nomes como o Ricardo Saló, o Joaquim Paulo, o Rui Miguel Abreu (que já colaborava com a 3), ou o Joaquim Albergaria e o Mário Lopes que semanalmente ouvem e discutem um disco.
Acima de tudo, sentimos que este é o papel da Antena 3. Sermos uma rádio diferente, inovadora, que não tem medo de arriscar (e de vez em quando falhar), com capacidade para produzir em várias plataformas, aproveitando todas as condições que uma estrutura como a RTP tem para oferecer.
 
O que difere hoje a Antena 3, assim como o panorama musical, quando comparado com 1994?
Parece-me que falamos de um cenário radicalmente diferente para a rádio e também para a indústria musical.
Começando pela rádio, estou em crer que, mais uma vez, o meio rádio mostrou a sua incrível capacidade de resiliência e, apesar dos cenários negros que se pintaram, foi capaz de se adaptar com alguma rapidez ao desafio digital. Mais do que uma ameaça, a rádio soube aproveitar as muitas oportunidades que as novas plataformas oferecem, diversificando o seu raio de acção e, nesse sentido, a Antena 3 evoluiu para algo mais do que apenas uma rádio, caminhando para se transformar numa marca de produção de conteúdos para o universo RTP, capaz de trabalhar em formatos diferentes e em colaboração estreita com outros canais do serviço público, nomeadamente, os de televisão.
Quanto ao panorama musical, falamos de um cenário em que as grandes editoras viram a sua influência recuar, ao mesmo tempo que se deu uma explosão na produção de música. Olhando para a música portuguesa, julgo que vivemos um momento de criatividade vibrante e de grande qualidade, o que torna o nosso trabalho na Antena 3 ainda mais estimulante. Para quem, como eu, sempre viu a rádio como o local ideal de partilha de música e descoberta de coisas novas, vale a pena fazer programas nos tempos que correm.
Os pressupostos que deram origem à rádio (pela RDP), estar mais próximo do público-jovem dando-lhe aquilo que ele quer ouvir, como são trabalhados na atualidade?
Julgo que uma rádio de serviço público não se pode ficar apenas por servir aquilo que as pessoas querem ouvir. Percebo que para uma rádio privada, esse é o desafio diário, mas acredito que o papel de uma rádio como a Antena 3 é exactamente o de estimular a descoberta de novos valores, de mostrar que existem alternativas ao mainstream dominante. Em certa medida, grande parte da nossa missão é criar o mainstream de amanhã, seja com as novas bandas nacionais ou com as novas tendências que chegam do resto do mundo. Temos uma obrigação com a diversidade e procuramos os muitos públicos que não se identificam com as playlists das rádios nacionais privadas. O Henrique Amaro costuma dizer com razão que, regra geral, as rádios privadas vivem sobretudo no “hoje”, na espuma dos dias, agarram-se ao “aqui e agora”. Cabe ao serviço público não esquecer o passado relevante, contextualizar o presente e perspectivar o futuro.É um trabalho, de certa forma, pedagógico que os nossos ouvintes valorizam e que nos diferencia no mercado.
A rádio é ainda o meio mais poderoso na comunicação e divulgação de um artista? Entra em competição com outros meios ou ficou até a ganhar com a revolução imposta pelas redes sociais?
Não sei se é O mais poderoso… mas continua a ser importante e fundamental na vida das pessoas. O acesso à música nunca foi tão fácil e democrático, e a oferta é torrencial. Isso faz com que as pessoas continuem a procurar quem lhes pode dar pistas e organizar o caos de conteúdos que as envolve. Falo por mim que, como toda a gente, também tenho as minhas referências e bases de apoio que me ajudam a separar o que interessa. Acho que é por aqui que a rádio continua a encontrar o seu papel principal, para além das restantes funções que sempre desempenhou. A rádio são as pessoas que a fazem, que comunicam com quem nos ouve, seja com a palavra ou através da música. É isso que os serviços de streaming não têm e é por isso que não substituem a rádio. Têm um papel forte, mas dificilmente podem substituir a rádio que, como já referi, também não ficou a dormir e soube aproveitar as oportunidades que as redes sociais e as novas plataformas oferecem. A proximidade com as pessoas e artistas, estimulou novas formas de fazer rádio, de produzir conteúdos. De, literalmente, sair da caixa (no sentido físico e não apenas criativo).
Já cobriram em direto os festivais de música portugueses mais mediáticos. Hoje o interesse de outras rádios neste tipo de eventos é maior, oferecendo estas mais ouvintes. Como fazem então este balanceamento de cobertura pelas audiências vs. visibilidade de sponsors vs. qualidade transmissão (e.g. entrevistas, concertos em direto)?
A Antena 3 sempre esteve ligada aos festivais de música e é com grande orgulho – e sem falsas modéstias – que afirmo que, ao longo destes 22 anos, nos tornámos numa referência na cobertura destes grandes eventos. Quando apoiamos um festival, fazemo-lo porque acreditamos editorialmente nele, identificamo-nos com as bandas que lá vão estar e não temos receio em desformatar a grelha de emissão para acolher várias horas de emissão especial em directo. Para além disso, os festivais são mais uma oportunidade de produzir bom conteúdo com as bandas e artistas que por lá vão passar, ou seja, não nos limitamos a colocar uma campanha de spots no ar e o nosso logo nos cartazes… e pronto. Claro que os promotores de concertos sabem isto, no entanto, nos últimos anos, os grandes festivais passaram a ser, em grande parte, palcos de afirmação de marcas e de guerras comerciais, que secundarizaram a própria programação musical. Obviamente, com os limites de difusão comercial que a lei coloca ao serviço público de rádio (e muito bem!), as grandes marcas que patrocinam os festivais, não vêm com bons olhos a presença da Antena 3 como media partner porque sentem que nós não lhes damos visibilidade suficiente, o que é perfeitamente compreensível. Nessa medida, nos últimos anos fomos perdendo a ligação com alguns festivais que sempre foram a nossa cara, como o Paredes de Coura e o Primavera Sound, em grande parte por imposição das marcas que financiam esses festivais. No caso do Paredes de Coura a opção foi para a Vodafone FM que é uma rádio local, que nem sequer é ouvida na zona do festival, mas que está diretamente ligada ao sponsor principal do festival. Quanto ao Primavera Sound, a escolha do principal patrocinador foi pela Rádio Comercial que, como qualquer pessoa sabe, não toca uma única banda das muitas que, felizmente, vão passar pelo festival.
É uma nova realidade que, objectivamente, reduziu a nossa presença em alguns festivais, mas que nos fez concentrar esforços no Super Bock, Super Rock onde temos a oportunidade de programar um palco e acrescentar a nossa proposta de valor a um evento que é uma referência e que todos os anos apresenta um cartaz de grande qualidade com que nos identificamos bastante.
Já estiveram no Lisboa Dance Festival. Que mais coberturas estão a ser acertadas com outros festivais?
Vamos, naturalmente, fazer a nossa principal operação mediática em torno do Super Bock, Super Rock. Tal como no ano passado, vamos ter um palco para programar completamente virado para a música portuguesa e para as novas bandas que apoiamos. Estaremos nos 3 dias do festival com uma grande equipa de reportagem e meios técnicos que nos permitem falar de uma emissão de rádio que, este ano, será também televisionada através do nosso site. Iremos transmitir todos os concertos do nosso palco em streaming de audio e vídeo, e transmitiremos todos os concertos dos outros palcos para os quais tivermos autorização. Para além desta mega-operação, estaremos presentes nos festivais de Sines e Loulé, Reverence Valada, no Bons Sons e em vários outros eventos. O Lisboa Dance Festival e o Tremor (em S.Miguel) foram dois excelentes testes para afinar a nossa máquina para a nova época de festivais que se avizinha.
De que forma a Aporfest poderá ser importante para o desenvolvimento dos media como suporte de divulgação e crescimento aos festivais portugueses?
A associação entre festivais, a partilha de experiências e a troca de informações entre os vários agentes que participam no fenómeno musical e dos festivais, só pode ser benéfica para a qualidade da oferta de eventos que existe em Portugal. Parece-me que nos últimos anos, a qualidade média dos festivais aumentou bastante, sobretudo na criação de melhores condições para os espectadores, para as marcas que a eles se associam e, claro, para os media partners que os apoiam.
A Aporfest desempenha, por isso, um papel aglutinador, de convergência de conhecimento e debate de ideias que só pode fomentar o crescimento em qualidade do fenómeno dos festivais de música no nosso país.
Fonte: APOFEST